O caminho para um negócio de milhões não começa com o produto

No último post desta série, enfatizei que o encaixe entre Produto e Mercado (product market fit) não é a única coisa que importa. Na verdade, é apenas um dos cinco encaixes necessários para fazer um negócio valer mais de 100 milhões e nunca parar de crescer.

Embora o encaixe entre produto e mercado não seja a única coisa importante, é significativo, e faz sentido que haja uma abundância de conteúdos explicando esse conceito e como alcançá-lo. Contudo, não quero ser repetitivo por aqui.

Ao invés de trazer algo das muitas ótimas postagens sobre o encaixe entre produto e mercado que já existem, vou focar nos 5 elementos desse encaixe que acredito serem mais mal compreendidos e negligenciados:

  1. A forma errada de buscar o encaixe entre Produto e Mercado;
  2. Porque devemos pensar nele como encaixe entre Mercado e Produto;
  3. Como definimos nossas hipóteses de mercado e produto para as primeiras versões da Edools;
  4. Como a busca pelo encaixe entre mercado e produto se parece na prática, não apenas na teoria;
  5. Sinais qualitativos, quantitativos e intuitivos do encaixe entre mercado e produto.

A forma errada de buscar o encaixe entre Produto e Mercado

Em 2008 eu co-fundei uma startup chamada Peta5. Levantamos R$ 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil reais) em investimentos para construir uma plataforma que permitiria publicidade segmentada de acordo com o perfil do telespectador. Isso mesmo, entregar na TV aberta comerciais direcionados para os telespectadores, assim como acontece na Web.

Targ.tv foi o nome que demos para a plataforma criada por minha startup Peta5 para orquestrar toda a construção de publicidade segmentada na TV aberta.
Targ.tv foi o nome que demos para a plataforma criada na Peta5 para orquestrar toda a construção de publicidade segmentada na TV aberta.

Lembro-me muito bem de passar dois anos desenvolvendo nossa tecnologia dentro do laboratório da Universidade Federal Fluminense e de fazer inúmeras apresentações em que dizíamos:

Construímos uma tecnologia disruptiva que mudará a forma como anunciantes, emissoras e telespectadores se relacionam com publicidade na TV aberta.

Eu ainda ouço esse tipo de pitch em apresentações de startups, mas há um sério problema com eles. Na época eu não percebi, mas agora enxergo claramente.

Nós tínhamos uma solução (plataforma para criar publicidade segmentada) que estava em busca de um problema e de um mercado (emissoras de TV e anunciantes). Em outras palavras, estávamos colocando o carro na frente dos bois. Eu era o empreendedor que estava com uma “incrível” solução em mãos e correndo para encontrar um problema.

O que eu deveria ter feito era focar no problema e no mercado e, em seguida, buscar a solução. Esse erro comum é o motivo pelo qual prefiro “Encaixe entre Mercado e Produto” em vez do termo “Encaixe entre Produto e Mercado”.

A razão para isso é porque o problema real é algo experimentado dentro do seu mercado e pelo seu público, não algo que está dentro do seu produto. Embora essa forma de pensar possa parecer uma pequena mudança, a linguagem importa. A forma como expressamos as coisas afeta a forma como pensamos sobre elas.

Procurando pelo Encaixe entre Mercado e Produto da maneira correta

Em 2012 eu comecei a trabalhar nas primeiras validações que dariam origem à Edools (startup para o mercado de educação online e que posteriormente seria investida pela 500 Startups). Felizmente, nessa altura eu já tinha aprendido minha lição dos dias da Peta5. Em vez de focar no produto primeiro, concentrei-me em definir o mercado.

Eu comecei a analisar quatro elementos-chave do mercado:

  • Categoria. Em que categoria de produtos o cliente classifica meu produto?
  • Público-alvo. Quem é o público-alvo?
  • Problemas. Quais problemas seu público-alvo tem?
  • Motivações. Quais são as motivações por trás desses problemas? Por que esses problemas são importantes para seu público-alvo?

Embora eu perceba que a maioria das empresas entende bem a “categoria” e o “público-alvo”, definir os problemas e as motivações por trás desses problemas é muito mais importante.

Aqui está como esses quatro elementos se pareciam aproximadamente lá em final de 2012:

Primeiras análises que fizemos sobre o mercado da Edools no final de 2012. Algumas coisas mudaram desde então, mas nada muito relevante.
Primeiras análises que fizemos sobre o mercado da Edools no final de 2012. Algumas coisas mudaram desde então, mas nada muito relevante.

Exploramos várias hipóteses, mas acabamos chegando à seguinte combinação de elementos de mercado:

  • Categoria: Software de Educação a Distância.
  • Público-alvo: Donos de escolas e cursos presenciais. Também havia dois subtipos de público:
    • Gestores de RH, para treinamento corporativo, e
    • Diretores de marketing de startups que desejavam educar mercado.
  • Problema: Não conseguir levar seus conteúdos educacionais para a internet de forma organizada e controlada.
  • Motivação: Duas motivações principais:
    • 1) Dinheiro. Vender cursos na internet era um mercado que estava começando a crescer e ficar de fora significa perder uma grande parte dos potenciais compradores.
    • 2) Posicionamento. Oferecer cursos e certificações é uma forte estratégia de posicionamento de marca das empresas.

A partir desse problema e definição de mercado, nós começamos a pensar no produto (solução). Após algumas semanas de trabalho (eu e mais um estagiário de ciência da computação) criamos uma ferramenta muito simples, que permitia que uma pessoa criasse sua própria escola online, adicionasse suas aulas e vendesse seus cursos.

Visão administrativa do primeiro cliente da Edools, a Bizstart.
Visão administrativa do primeiro cliente da Edools, que nesse caso era minha própria empresa de treinamentos, chamada Bizstart. Dessa vez eu criei um produto/solução para um mercado em que já trabalhava e conhecia os principais problemas e motivações.

O produto era extremamente simples. Consistia em uma aplicação Ruby on Rails básica e integrada a um meio de pagamento.

Embora isso pareça simples, naquela época nosso público inicial achava que era uma super solução. Nosso produto ajudava a resolver o problema de conseguir disponibilizar seus conteúdos educacionais na internet. O produto principal era gratuito por um período de 15 dias, após esse prazo nós cobrávamos uma assinatura mensal que começava em R$ 99,00.

Isso nos leva ao próximo grupo de elementos na definição do encaixe entre mercado e produto – os elementos de hipóteses do produto. Os quatro elementos principais que eram importantes de definir como hipóteses do produto eram:

  • Proposta de Valor Principal. Qual era a proposta de valor principal do produto? Como ela se relacionava com o problema central?
  • Gancho. Como a proposta de valor principal poderia ser expressa da maneira mais simples?
  • Tempo para Valor. Quão rapidamente poderíamos fazer com que o público-alvo experimentasse valor?
  • Fidelização. Como e por que os clientes continuarão usando o produto? Quais são os mecanismos naturais de retenção do produto?

Para o produto Edools, as hipóteses ficaram assim:

  • Proposta de Valor Principal. Conseguir levar seus conteúdos educacionais para a internet sem complicações.
  • Gancho. Entregue e venda seu conteúdo para qualquer pessoa em qualquer lugar.
  • Tempo para Valor. Médio (menos de 1 mês). Crie uma conta -> Crie seu curso online -> Cria suas aulas -> Suba o conteúdo -> Defina um preço -> Comece a vender. A venda era a principal demonstração de valor.
  • Fidelização. Alta. Uma vez que todos os conteúdos estão na plataforma e o cliente está vendendo, não existe motivação para mudar de solução; em caso de mudança, o custo para tal é alto.
Alinhamento entre a visão de Mercado e as Hipóteses de Produto no caso da Edools.
Alinhamento entre a visão de Mercado e as Hipóteses de Produto no caso da Edools.

Essas hipóteses são extremamente importantes de serem estabelecidas. Como você verá nos próximos posts, elas informam e afetam profundamente os outros componentes do framework, como Canal e Modelo.

A realidade da busca pelo Market Product Fit

Na prática, a busca pelo encaixe entre mercado e produto nunca é uma linha reta. Em vez disso, acontece ao longo de múltiplos ciclos de iteração. Você começa com um mercado, constrói uma versão inicial do produto, observa quem realmente obtém valor do produto e, em seguida, redefine o mercado e o produto.

A busca pelo encaixe entre Mercado e Produto deve ser iterativa. Não se chega ao product market fit de forma linear.
A busca pelo encaixe entre Mercado e Produto deve ser iterativa.

Isso é exatamente o que aconteceu com a Edools. Estabelecemos as hipóteses iniciais acima. Mas, ao nos aprofundarmos, descobrimos que muitas outras personas-alvo além da nossa hipótese de público de donos de escolas estavam obtendo um valor significativo com o produto. Ótima notícia!

Descobrimos que muitos profissionais de marketing, infoprodutores e outros profissionais estavam usando o produto tão intensamente quanto os profissionais donos de escolas que eram nossas personas principais.

Portanto, refinamos a categoria, o público-alvo, o problema e as motivações com base no que estávamos realmente vendo.

O refinamento não parou por aqui. Tivemos outras grandes mudanças, a qual falarei em futuros posts.

O ajuste do mercado e do produto não é binário

O ciclo de iteração do ajuste do mercado e do produto nos leva a outro ponto chave:

O ajuste do mercado e do produto não é binário. Também não é um único ponto no tempo.

Uma maneira melhor de pensar no ajuste do mercado e do produto é em um espectro de fraco a forte.

Quando você imagina o ajuste do mercado e do produto como um conceito binário, implica que seus componentes de mercado e produto não mudam. Sabemos na prática, como no caso do Peta5, que isso está longe da verdade. Mais uma vez, devemos deixar o mercado liderar nesse processo contínuo.

Existem duas formas principais pelas quais o mercado muda para qualquer negócio.

1. Expandindo a definição do Mercado

A maioria dos negócios começa com um mercado muito específico e expande a definição do seu mercado para mercados cada vez maiores. Pense nisso como começar no centro de um alvo e expandir para camadas concêntricas circulares.

Para um negócio bem sucedido continuar crescendo é necessário expandir a definição de mercado alvo.
Para um negócio bem sucedido continuar crescendo é necessário expandir a definição de mercado alvo.

Para expandir nessas camadas concêntricas, o produto geralmente precisa mudar para manter a força do ajuste entre mercado e produto.

Às vezes, entrar nesses segmentos de um público-alvo é uma iteração. Em outras ocasiões, exigem mudanças muito maiores. Compreender o tamanho da mudança necessária começa com um profundo entendimento dos problemas e motivações do público.

2. O Mercado evolui

Ao mesmo tempo, os mercados não permanecem estáticos. Isso significa que os mercados nos quais você possui um forte ajuste entre mercado e produto evoluirão ao longo do tempo.

Por exemplo, pense na transição da Web para o Mobile. O Facebook foi uma das empresas que conseguiu fazer essa transição difícil com sucesso. Sheryl Sandberg disse que, para isso, a empresa não lançou novos recursos durante um ano inteiro apenas para garantir que acertassem essa transição de mercado.

Sinais de Ajuste Entre Mercado e Produto

Se o ajuste entre mercado e produto não é binário, então como você sabe se possui um ajuste entre mercado e produto? Muito já foi escrito sobre isso, mas a maioria não reflete a realidade.

Como quase tudo, é necessário combinar medições qualitativas com medições quantitativas e sua própria intuição. Nos enganamos quando olhamos apenas uma dessas áreas. É como tentar obter uma imagem completa de um objeto com apenas uma visão unidimensional.

Como combinamos indicadores qualitativos, quantitativos e de intuição para entender o quão forte é o ajuste entre mercado e produto que possuímos?

1. Qualitativo

O ponto de partida típico para medir o ajuste entre mercado e produto são indicadores qualitativos, pois são mais fáceis de implementar e exigem menos clientes e dados.

Para obter uma compreensão qualitativa, minha preferência é usar o Net Promoter Score (NPS). Se você realmente está resolvendo o problema do público, eles devem estar dispostos a recomendar seu produto a um amigo.

A maior desvantagem das informações qualitativas (em comparação com as quantitativas) é que elas têm uma maior probabilidade de gerar um resultado falso positivo, portanto, leve-as com cautela.

2. Quantitativo

Existem duas medidas quantitativas para entender o ajuste entre mercado e produto: Curvas de Retenção e Tráfego Direto.

Neste outro post eu explico em detalhes como Curvas de Retenção planas indicam o ajuste entre mercado e produto. Portanto, não vou repetir esses pontos aqui.

Curvas de retenção de dois diferentes produtos. Ideal para reconhecer quando alcança product market fit
O Produto A apresenta bom indício de ajuste entre Mercado e Produto, visto que sua curva de retenção estabilizou em 50%.

Existem alguns negócios em que você ainda pode ter um ajuste entre mercado e produto mesmo com curvas de retenção não planas. Por exemplo, um produto de namoro online tem uma rotatividade natural embutida no sucesso. Uma nova empresa de tecnologia de seguros, em que o sucesso para um cliente é encontrar um plano de seguro, também terá uma rotatividade natural. Mas, para 80% dos produtos B2C e B2B, curvas de retenção planas são o que você está procurando.

O segundo indicador quantitativo é o tráfego direto. O tráfego direto geralmente é resultado do boca a boca. Se você realmente está resolvendo o problema do público, eles tendem a contar para os amigos. Pode não ser um grande volume de tráfego direto, mas deve haver algum.

A combinação desses dois elementos (curvas de retenção planas e tráfego direto) significa que um produto com ajuste entre mercado e produto crescerá naturalmente sem esforços adicionais, como marketing pago.

Às vezes, gosto de fazer a pergunta: “Se você interrompesse todos os seus esforços de marketing hoje, continuaria crescendo?” A resposta deve ser sim. O crescimento pode ser lento, mas ainda deve ser um crescimento natural.

3. Intuição

A intuição é sobre a sensação instintiva, e é difícil verbalizar. É difícil entender intuitivamente se você tem um ajuste entre mercado e produto, a menos que você tenha vivenciado situações em que não o tem e situações em que o tem. Já estive em ambas as situações. Peter Reinhardt, fundador/CEO da Segment, também esteve, e acredito que ele tenha a melhor descrição de como é sentir o ajuste entre mercado e produto:

O ajuste entre mercado e produto não se parece com um interesse vago e ocioso. Não é como um lampejo de esperança vindo de uma conversa anterior. Não é como um gotejamento de pessoas se cadastrando. Na verdade, parece que tudo em seu negócio ficou totalmente descontrolado. Há uma grande onda de adrenalina dos clientes começando a adotá-lo e arrancando-o de suas mãos. Parece que o mercado está te arrastando para frente.

Peter Reinhardt, fundador/CEO da Segment

Acho que os fundadores do Dropbox disseram isso da melhor maneira possível: o ajuste entre mercado e produto parece pisar em uma mina terrestre…quando encontramos o ajuste entre mercado e produto, eu tinha certeza de que era algo pequeno demais para importar, mas na verdade resolvia um problema real e o mercado o exigia e arrancava-o de nossas mãos.

Peter Reinhardt, fundador/CEO da Segment

O ponto aqui é que, quando você tem um forte ajuste entre mercado e produto, parece que o mercado está te impulsionando em vez de você empurrar algo para o mercado.

Os principais pontos são:

  • Comece com o mercado (problema), depois o produto (solução). Não ao contrário.
  • Defina sua hipótese de mercado usando Categoria, Quem, Problemas, Motivações, com a maior parte do trabalho dedicada a Problemas/Motivações.
  • Defina sua hipótese de produto usando Proposta de Valor Central, Gancho, Tempo até o Valor e Fidelidade.
  • Pense no ajuste entre mercado e produto como um ciclo.
  • Entenda que o ajuste entre mercado e produto não é binário. Em vez disso, é um espectro que vai de fraco a forte.
  • Para entender se você tem um ajuste entre mercado e produto, combine indicadores qualitativos, quantitativos e intuitivos.

Esse texto é uma tradução livre, evolução e adaptação do artigo The Road to a $100M Company Doesn’t Start with Product publicado por Brian Balfour.

No momento, você está visualizando O caminho para um negócio de milhões não começa com o produto

Rafael Carvalho

Rafael Carvalho é empreendedor digital há mais de 20 anos e desenvolveu dezenas de negócios na internet. É criador de diversos treinamentos online, com destaque para o método Lançamento Enxuto e a Mentoria Imparáveis, que são considerados os melhores treinamentos para quem deseja possuir um negócio lucrativo, honesto e saudável na internet.

Deixe seu comentário: